- Adoro-te miúda.
Contorno o olhar dele e olho para o chão, sussurro quase que para mim própria abanando a cabeça em negação:
- Não é a mim que adoras...
Ele levanta-me o queixo com o polegar e o indicador e olha-me nos olhos com uma expressão à espera de uma explicação. Porquê que eu fui falar de mais e quebrar aquele momento romântico sendo fundamentalista? Não podia entrar na fantasia e acreditar que ele me adora?
- Não, - continuo - não é a mim que adoras. O que tu estás a adorar é o momento, a fantasia, tudo isto.
E faço um pequeno gesto que me rodeia. Ele desvia agora o olhar, porque é perspicaz para entender facilmente do que falo. Ao menos fazia-se de parvo, assim construía mais uma fantasia.
- Se me adorasses não era assim, era avassalador, não tinhas demorado meses a decidir se me querias, eu não tinha insistido tanto, não havia necessidade de montarmos este circo, tinhas percebido logo que me adoravas, acordarias a meio da noite com ataques de ansiedade que só seriam minimizados se pegasses no telefone e ouvisses a minha voz, adorar não é isto, não é vires para um hotel comigo porque convidei e ofereci o fim-de-semana, não é dizeres que me adoras porque estamos enrolados numa banheira e porque o momento o pede, adorar não é coisa que se possa dizer pelo politicamente correcto, adorar é dizê-lo no parque de estacionamento sujo e feio de um supermercado por simplesmente te apetecer, adorar é saudade, adorar é não conseguires conter os beijos, os abraços, adorar é agir de impulso, adorar é estares constantemente a repetir o meu nome a outras pessoas simplesmente porque não o consegues evitar, adorar não é calcular palavras nem encontros, não é premeditar nada. Adorar é estar descontrolado, agir-se de acordo com um impulso qualquer que não obedece a nenhum ritual social. Adorar não é isto.
Fui-me arrependendo a cada palavra que proferia, e certamente ele também se arrependera de requisitar a explicação, porque não é que ele nunca tivesse realmente adorado para não perceber do que eu falava. Eu fui divagando na minha própria angústia, enquanto milhentas outras questões às quais eu preferia não responder me surgiam. E ele, em silêncio, humilhado pela mentira, não teve coragem de me desmentir ou sequer dirigir o olhar durante todo o tempo.
Um longo momento constrangedor, dum silêncio doloroso, que eu não quis interromper por pretender alongar a sua humilhação o mais possível.
- Então responde-me, se sabes que não te adoro e se demonstras tanto amor próprio ao ponto de exigires tudo isso de duas meras palavras despropositadas separadas por um hífen, porquê que montaste este circo todo?
Como te atreves a humilhar-me com uma mentira tua?! Como é que ainda tens coragem, não achas dor suficiente eu reconhecer o facto de tu não me adorares como eu te adoro? És duma frieza incalculável, e se to dissesse provavelmente responderias com uma outra pergunta, como já é hábito: "tens a certeza que esta é só a minha mentira?".
20 April 2007
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