Segundo os padrões de beleza convencionais, os seus lábios são perfeitos. Toda a gente os elogia, todos os homens lho dizem. Não existe vivalma que os não inveje ou que os desgoste.
Ela sabe-o. Mas nem sempre. Às vezes esquece-o. Já lhe aborrece até, que todos os estimem.
E ela é gira para muitos, mas para si própria não. Ela sabe que a beleza é muito mais do que uns lábios. A beleza é personalidade, são todas as suas expressões musculares faciais, e disso ela não está certa se é convencionalmente belo.
Mas ele fê-la sentir assim. Bela. E ela ainda ficou por perceber porquê.
Ele foi o único homem que não a admirou pelos seus lábios. Ou pelo menos, só pelos seus lábios. Antes de mais, antes de tudo, ele disse-lhe:
- Adoro o teu olhar.
Poucas palavras, e ela sente-se levitar.
Porquê?
Reparem.

Ele não falou dos lábios dela.
Da coisa mais óbvia.
E não disse "olhos", disse "olhar".
E isso depois de ter-lhe dito que os seus olhos eram assimétricos. O olho direito é mais pequeno.
"Como reparou ele?", pensou ela, "levei quinze anos a reparar nessa minha assimetria. Eu. Só quando entrei na puberdade e me olhava ao espelho durante horas é que reparei nisso, até um cirurgião plástico disse-me que era simétrica. Bolas! Como foi ele reparar? Só eu o sei, e só se nota em certas posições, como foi ele reparar?!"
Gostar do seu olhar mesmo este tendo declaradamente um defeito? Mas o "olhar" não tem defeitos, são os olhos.
E ela sabe, que os seus olhos são a coisa mais banal e sensabor de toda a sua face. São castanhos, pequenos, normais. Iguaizinhos a tantos outros.
Tal e qual.
E ela poderia ter-se sentido insegura, porque ele podia estar a ser alvo de uma ilusão óptica qualquer, devido à qualidade rímel. Mas não. Ele disse "olhar", não "olhos".
E ela olha-se uma vez mais ao espelho, agora, e pensa entre um largo sorriso: "não, este rímel é uma treta, não faz diferença nenhuma".
Então sorri, e constata que nunca gostou tanto de saber que foi vítima de publicidade enganosa.
E a coisa que a faz mais feliz, a coisa que mais lhe apetece gritar a plenos pulmões, ela mantém-no segredo. Porquê? Porque é algo tão precioso, que o guarda só para si.
No comments:
Post a Comment