22 February 2007

Esta é a história de uma menina que às vezes se sente muito muito deprimida.

Ela odeia ser quem é. Vê as imagens de séries americanas, onde dois californianos apaixonados fazem-na chorar de solidão. Ela chora e muda de canal. Muda de canal e chora. Já não precisa de ouvir os diálogos, os louros cabelos de ambos reflectem o pôr-do-sol de um local idílico e ela lembra-se que outrora fora feliz. Ouvindo o seu chill out, lembra-se do seu cenário idílico, outrora real. Recosta a cabeça para trás, engole a azeda saliva a seco e deixa uma outra lágrima escolher-lhe pela face, enquanto evoca memórias que não quer evocar. Entre gemidos e fungadelas, evoca memórias que quer e não quer evocar.
Falam de Alanis Morissette, o seu assunto preferido da altura, o feminismo em forma de música. Entram no amo.te chiado, de onde se podia ouvir um electro pop fantástico. Esperam em silêncio pacientemente pelo pedido, uma coca cola e um café, porque entretanto a conversa tinha-se esgotado. Mas não foi um silêncio constrangedor. Desviavam os olhos e coravam descaradamente. Um gostava do outro sim, mas nunca poderiam imaginar que em dois anos se odiariam. “Então foi assim mesmo”, pensa ela para si. Já fui feliz sim.
A coca cola chegou, e naquele momento, naquele primeiro encontro, ele declarou-se. Silenciosa mas descaradamente. Eram tão puros, duas crianças que ainda não tinham sido corrompidas nem arrastadas para um mar de complicações e jogos cínicos desse tal dito amor. Na altura ainda tudo era simples, e mesmo num sítio bastante luminoso, ao balcão de um estabelecimento, lado a uma multidão de gente, com uma música bastante alta e barulhenta, deu-se o momento mais ternurento entre duas pessoas. Duas almas a tocarem-se publicamente, sem ninguém ver. Desde então nunca mais niguém se conectou tão intimamente com ela, sem sequer falar. Desde então nunca niguem lhe disse “amo-te” no primeiro encontro. Desde então nunca ninguém lhe disse um “amo-te” sentido reciprocamente.
O copo que trazia a sua bebida, tinha o logótipo do bar, “amo.te chiado”, e ele, lentamente, naquele silêncio reconfortante, conduziu a sua atenção com o olhar para aquele copo, e girou o copo sobre si, mostrando-lhe simplesmente a parte “amo.te”. Ela, extasiada de felicidade, desviou o olhar e corou até à raiz dos cabelos. Soltou um sorriso que não conseguia conter. De repente, deixou de se preocupar com o cabelo, ou com o seu tique nervoso de morder o lábio. Mordeu o lábio descaradamente e, sempre fitando o chão, mudou de assunto pondo o cabelo atrás da orelha. Não queria saber de parecer gira, sabia que era gira a seus olhos e isso bastava. Ele, o rapaz mais tímido do mundo, com quem apenas tivera conversas banais, apenas dissera-lhe baixinho “amo-te”, tinha sido melhor do que ela imaginara, e nem imaginaria que aquela relação viria a ser a mais amarga que alguma vez teria. A mesma pessoa por quem ela seria capaz de dar a própria vida, seria odiada de morte a dada altura. Em pouco tempo, ela viria a concretizar todas as suas fantasias, e a viver todos os seus pesadelos.
Ainda hoje ela não sabe se valeu a pena. Se valeu a pena morrer por dentro para viver o melhor momento da sua vida aos 15 anos. Se realmente valeu a pena desfazelar-se aos poucos nos últimos anos, pela recordação daquele momento.
Ela odeia ser quem é.

1 comment:

Inês said...

Os pequenos gestos são sem duvida os mais importantes, são aqueles que nos marcam!bjinho