Deixar de fumar é fantástico. Stressante, mas fantástico.
Para alem de sentirmos que conseguimos vencer ao mais imbatível dos adversários - a falta de vontade própria - recuperamos o olfacto, e assim, o paladar.
Mas é uma faca de dois gumes. Porque esses cheiros e sabores tanto me evocam memórias desagradáveis, traumáticas mesmo, como memórias incrivelmente boas.
Por exemplo, descobri recentemente que os sacos do lixo me recordam hospitais.
E no outro dia, pus um doce regional italiano à boca, e embaciaram-se-me os olhos de emoção. Como que num filme, vi em dois milésimos de segundo toda a minha infância. Um pequeno sabor recordou-me a minha infância na casa da minha madrinha em Roma, quando eu era feliz sem saber porquê, como, ou sequer que o era. A minha madrinha, agora velha de podre, costumava fazer esses doces, e embrulhava-os em papel celofane colorido de modo a parecer um rebuçado verdadeiro, de loja. Mas estes rebuçados eram imperfeitos, pelo menos visualmente. Eu mesma, pequenina, e a minha mãe, jovem, ajudavam-la a embrulha-los. Cortávamos o papel em quadrados, e punhamos os doces todos numa grande taça de vidro que era colocada no centro da mesa para os convidados, para nós, para quem lhes deitasse a mão. Acabavam em dois dias, e depois a minha madrinha refazia-os. Eu estava sempre a tentar fugir com um ou outro na mão, e adorava o facto de serem carregados de açúcar, como qualquer criança, porque não só comer dois de seguida era enjoativamente delicioso, como podia ser divertido ficar com a cara branca do pó açucarado.
E isto, simplesmente isto, levou-me a questionar tanta coisa, que chorei por não ter a receita do tal doce.
Mas seria doloroso se de cada vez que o comesse um inofensivo doce daqueles me recordasse da importância de certas coisas, certas relações, certos rituais que parecem inúteis (senão para o apetite), rituais que podem criar laços indestrutíveis, rituais aparentemente fugazes, e da influência que podem ter na construção de uma personalidade.
Lamentei já não ter o hábito de passar assim tanto tempo com a minha mãe, e lamentei por a minha outrora doce madrinha ter sofrido um cancro no útero e estar velha e cansada de combater com uma doença para poder ser uma daquelas velhotas simpáticas.
Originalmente escrito em Agosto de 2007. Encontrei-o perdido no pc e decidi dar-lhe utilidade (nem que seja para as duas pessoas que lêm o meu blog!).
Devo ser por isso que ainda hoje fumo.
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