Tu choraste depois de ouvir Marvin Gaye, eu chorei só e porque senti que confiaste um pouco em mim, numa desconhecida; és quase um cristão, sabes? Sem perceberes amaste o próximo.
Tu amas-me!
Bolas, ultimamente apercebo-me que posso, afinal, ser cristã. Faço uma data de referências ao Deus dos cristãos, mas o pior de tudo não é isso.
O pior de tudo foi este texto que escrevi ontem, mentalmente. Pensei nele mas não consegui materializa-lo porque pareceu-me demasiada hipocrisia. Primeiro, antes de o escrever, em prosa poética merdosa, limitada por tudo aquilo que sou, tinha de aceitá-lo como acontecimento, e até agora tenho estado em negação. Até agora.
Fui à varanda do meu quarto, pensei que pudesse relaxar depois de um dia fadigoso. Tenho uma vista linda, que me faz sentir pequena, pequeníssima, uma vista daquelas que nos retira todo e qualquer Ego. Porque apercebe-mo-nos que, ao mundo ser assim vasto, ao universo ser assim infinito, os nossos problemas não são sempre demasiado grandes. Nem os únicos. Então, deixamos de sentir compaixão por nós próprios, que é o pior que pode acontecer depois de sentirmos a compaixão dos outros.
E então aconteceu. Uma conversa com ele.
Senti-me, antes de mais, assustada.
E então ele disse-me, mas não antes de entrar bem fundo no meu íntimo: "a primeira premonição, e tu não quiseste dar-me ouvidos."
Eu respondi que sim, que a vi, que a senti, que decidi ignorá-la. Olhei-a nos olhos de uma foto que pendia em queda livre no meio de tantas outras e disse-lhe: "Não me assustas. Não acredito em ti. Não existes. Não és."
Ela, com olhos maliciosos e um riso sádico disse-me ainda: "Eu não estou somente nas canções que ouves, nos filmes que vês, eu aconteci-te e tu tinhas uma última oportunidade de te redimires."
Abanei a cabeça em sinal de negação, e aquele pensamento desvaneceu-se.
Depois, a segunda de duas. A última premonição.
Naquele dia vesti-me toda de negro, eu que o detesto fazer, creio mesmo que nunca o fiz, eu que naquele dia que me sentia especialmente feliz por tantas outras razões.
Então, a notícia.
Olhei-me de alto a baixo e pensei.
Aconteceu-me. E chorei, mais tarde, sem lágrimas, naquela noite, arrependida por todas as coisas que podia ter dito e não disse, podia ter feito e não fiz.
E agora, queres que fale contigo? Não o farei. Não o farei. Não o farei. Tiraste-me a coisa que mais amava nesta vida, e pretendes que fale contigo? Fizeste-o por que razão? Para que eu percebesse a dimensão do meu amor agora de a perdi? - é quantificável, o amor?
Ele obrigou-me a olhar para toda aquela beleza a torno.
Disse-lhe que não, que aquilo não é criação sua, que é uma coincidência cósmica o nosso mundo ser tão belo e tão perfeito e tão equilibrado e tão autónomo.
Reentrei no quarto.
Reparei então no seu filho, no meu ateu quarto. Está ali deste sempre, o filho dele, crucificado. Diz-se que morreu por nós, para nos salvar, e agora pretende ser uma espécie de celebridade. Já não me recordo quem o pôs ali.
De repente, senti um peso enorme nos ombros, uma força que me empurrava a cair.
Então caí.
Ironicamente de joelhos. Agora começo a sentir-me mal, sem fôlego, sem paixão.
Ele disse-me qualquer coisa que eu não percebi, ao que eu lhe respondi: "Não falo contigo. Nunca. Não sou mais um daqueles católicos "não praticantes" que se revolvem a ti somente nos momentos de incerteza e necessidade. Não. Eu decidi começar uma batalha já perdida, não importa, não te temo. Não és."
Ele disse-me para depois sair: "Como podes tu negar-me? Eu decido toda a essência das coisas não definidas."
E depois chorei as primeiras lágrimas de agua e sal, desidratando-me um pouco. Continuei de joelhos mais um pouco, e depois senti-me impelida a unir aos mãos ao peito em jeito de quem reza. Mas não o fiz. Na teimosia da minha não-crença, acreditei que tudo aquilo fosse fruto da minha desesperada imaginação.
Chorei porque não pude entender.
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