Dizes que nunca me deixarás cair de esperanças tão altas.
Mas 'nunca' é uma promessa e não podes dar-te ao luxo de mentir.
Não comigo.
Mesmo que não mintas.
Porque fico farta, desgastada, cansada de viver os momentos sozinha para depois me perguntar: "Eu era a única ali? Estava completamente sozinha?"
Sim, as promessas não são só o que dizes. São também o que vem subentendido com elas, e desculpa ser exigente a esse ponto. Mas não. Comigo não podes mentir, porque eu sou capaz de acreditar.
Por isso é que muitas vezes sou fria, para não me dar ao luxo de mentir ainda que o faça despropositadamente.
Sim, sou emotiva e espontânea, mas essa emotividade nunca passa de dentro de mim; não transparece, é translúcida. Sou bastante cuidadosa com o que transmito aos outros, e sou inteligente o suficiente para saber que a comunicação não é, nem de longe, só verbal.
Isso é lindo de ser ouvido, mas pouco viável. Porque fizeste-o de leve ânimo, no entanto essa é uma promessa.
Não mentes, é verdade. Mas o tom da coisa, a magicalidade (lá estou eu com os neologismos!) da comunicação virtual e dos sentimentos platónicos que nos envolvem, transformam-no em promessa.
E eu agarro-me a elas, sou uma mulher de palavra, nem que seja de palavras subentendidas, e espero sempre que o sejam comigo. Exijo demais, eu sei. Por isso é que sofro tanto. Este mundo inteiro é subestimável, e eu raramente o faço. Sou idiota.
Não sei se é ingenuidade ou simplesmente romance, mas gosto. Também eu gosto do que conheço, arriscando-me a cair na promessa.
Há coisas em ti lindas. Tornam-te muito mais do que um estereótipo publicitário de beleza. Quero agora coleccionar pessoas assim, mesmo que isto não passe do platónico, quero um amigo para sempre.
Dei-me ao luxo de não saber o que sentir, uma vez mais. De ter medo e de fugir, em prol da minha saúde sentimental.
30 June 2008
22 June 2008
"Ser vilão por umas horas, só para ver quem vos salva agora."
O que me dói não é a rejeição.
É pensar que estive naqueles momentos todos sozinha. A sentir todas aquelas emoções completamente solitária, contigo ao meu lado mas apenas comigo própria.
Senti tudo sozinha, tu a dizeres-me que me adoravas, a terminares as minhas frases, a leres o meu pensamento, mas estava lá sozinha. Tu não estavas no carro comigo, não me fizeste sorrir e não me tocaste. Foi só a minha imaginação. Nada daquilo existiu, pelo menos para ti nunca existiu.
A perspectiva é uma merda.
Aquelas mensagens que não me mandaste, aqueles telefonemas que não foi contigo que falei.
“Vocês acham que era a altura certa?
Eu não acho que era a altura certa, não
Vocês acham que era a altura certa?
Eu não acho que era altura
Eles dizem que passa com a idade
Mas a idade passa e ainda nada, nada
E o tempo não suaviza
Ela diz que sou de gelo
Mas a verdade é que ainda sinto
Todas as queimaduras na pele
E nenhuma cicatriza
Desculpa, esgotei as forças a gerir o meu tempo
Para ainda ir jogar ao “não me dás atenção suficiente”
Queres dar um tempo?
Eu dou-te um tempo
Um minuto para arrumares as tuas coisas
E me desapareceres da frente
Estás contente?
Isso é óptimo
Só me ajudas a definir a relação do peso o amor-ódio
Que se fodam prioridades
Se a vida são dois dias
Eu vou dedicar um dia aos beats e outro dia às letras
Para poder escrever a melhor música de sempre
Sobre como desperdicei a vida
A tentar ser diferente
Sobre os entes queridos e sobre como o esqueci
Para ser uma pedra de gelo
E mesmo assim não consegui sê-lo
Gelo, invejo o gelo
O processo é lento mas pouco a pouco consigo ser como ele
Sinto os membros dormentes
Simultaneamente é doloroso e frio
E o tremer faz-me bater os dentes
Tenho frio no coração,
Um arrepio no peito por dentro
Mas eu aguento
Fico indiferente e transparente
Frio como o gelo, petrificado
Consegui alcançá-lo
Em silêncio vou derreter-me em álcool
Bate-me, sem hesitar
Por eu ser frágil
Essa dor só vai tornar
Tudo mais fácil
Afasta-me
Sem pensar se isso me afecta
A distância só vai mostrar
Que não era a altura certa
Eu sei, eu sei que sou estúpido
Ainda assim aqui estou eu de novo à tua porta
De coração partido e tudo
Situações extremas exigem medidas desesperadas
Olha para mim a espalhar pétalas de rosa pela casa
Casa comigo só um minuto
Mas por favor esquece e abandona-me
Antes de eu voltar a estragar tudo
Por eu vou,
É inevitável
Sou imperador da solidão no meu palácio de gelo,
Inabalável
Caminho sozinho, cumprimento desconhecidos
Como um mendigo
Durmo em jornais à porta de casinos
Tipo, só para estar integrado numa comunidade
Nem que seja comunidade à parte da sociedade
É tranquilo, admito
Não passa de promoção barata
O meu defeito é a minha qualidade
Não sinto nada
E fugir era a ultima escapatória
Até conseguir escrever um final diferente para esta história”
É pensar que estive naqueles momentos todos sozinha. A sentir todas aquelas emoções completamente solitária, contigo ao meu lado mas apenas comigo própria.
Senti tudo sozinha, tu a dizeres-me que me adoravas, a terminares as minhas frases, a leres o meu pensamento, mas estava lá sozinha. Tu não estavas no carro comigo, não me fizeste sorrir e não me tocaste. Foi só a minha imaginação. Nada daquilo existiu, pelo menos para ti nunca existiu.
A perspectiva é uma merda.
Aquelas mensagens que não me mandaste, aqueles telefonemas que não foi contigo que falei.
“Vocês acham que era a altura certa?
Eu não acho que era a altura certa, não
Vocês acham que era a altura certa?
Eu não acho que era altura
Eles dizem que passa com a idade
Mas a idade passa e ainda nada, nada
E o tempo não suaviza
Ela diz que sou de gelo
Mas a verdade é que ainda sinto
Todas as queimaduras na pele
E nenhuma cicatriza
Desculpa, esgotei as forças a gerir o meu tempo
Para ainda ir jogar ao “não me dás atenção suficiente”
Queres dar um tempo?
Eu dou-te um tempo
Um minuto para arrumares as tuas coisas
E me desapareceres da frente
Estás contente?
Isso é óptimo
Só me ajudas a definir a relação do peso o amor-ódio
Que se fodam prioridades
Se a vida são dois dias
Eu vou dedicar um dia aos beats e outro dia às letras
Para poder escrever a melhor música de sempre
Sobre como desperdicei a vida
A tentar ser diferente
Sobre os entes queridos e sobre como o esqueci
Para ser uma pedra de gelo
E mesmo assim não consegui sê-lo
Gelo, invejo o gelo
O processo é lento mas pouco a pouco consigo ser como ele
Sinto os membros dormentes
Simultaneamente é doloroso e frio
E o tremer faz-me bater os dentes
Tenho frio no coração,
Um arrepio no peito por dentro
Mas eu aguento
Fico indiferente e transparente
Frio como o gelo, petrificado
Consegui alcançá-lo
Em silêncio vou derreter-me em álcool
Bate-me, sem hesitar
Por eu ser frágil
Essa dor só vai tornar
Tudo mais fácil
Afasta-me
Sem pensar se isso me afecta
A distância só vai mostrar
Que não era a altura certa
Eu sei, eu sei que sou estúpido
Ainda assim aqui estou eu de novo à tua porta
De coração partido e tudo
Situações extremas exigem medidas desesperadas
Olha para mim a espalhar pétalas de rosa pela casa
Casa comigo só um minuto
Mas por favor esquece e abandona-me
Antes de eu voltar a estragar tudo
Por eu vou,
É inevitável
Sou imperador da solidão no meu palácio de gelo,
Inabalável
Caminho sozinho, cumprimento desconhecidos
Como um mendigo
Durmo em jornais à porta de casinos
Tipo, só para estar integrado numa comunidade
Nem que seja comunidade à parte da sociedade
É tranquilo, admito
Não passa de promoção barata
O meu defeito é a minha qualidade
Não sinto nada
E fugir era a ultima escapatória
Até conseguir escrever um final diferente para esta história”
Nota de suicídio à minha melhor amiga
Olá. (Não sei bem como começar uma carta de suicídio.)
Ou melhor, adeus.
Sim, adeus. Porque me despeço.
Mas odeio melancolias, porque me fazem lembrar de mim.
E odeio rodeios, talvez pela mesma razão.
E como nunca é tarde demais para mudar, vou directa ao assunto. Tentar.
Tu sabes que existem muitas poucas coisas na minha vida de que me orgulho. Para além da minha personalidade, tudo o resto foi desilusão. Basicamente fui uma pessoa distinta que fez muitas más escolhas. Uma pessoa brilhante tornada numa pessoa má. Então despeço-me, porque nesta vida já não há nada mais que eu queira ver, sentir, ter. Nada nesta vida que me prenda a ela, que me surpreenda, já senti de tudo. Foi uma vida que só me desiludiu, revelou-me um mundo que eu desconheço. Então desisto, admito a minha cobardia e retiro-me em pleno pico de sucesso e juventude. Porque é assim que eu quero ser recordada.
O meu sonho para este mundo realizar-se-á quando no Carnaval as pessoas se mascarem de mim. Quando eu for um ícone. Quando a minha imagem ou o meu nome representarem lenda, respeito, coragem ou cobardia assumida (o tipo de cobardia mais corajosa). Aí significará que ao menos a minha vida não foi em vão, que todos os erros que cometi serviram de alguma coisa.
Mas voltando ao orgulho, eu só te escrevo para te pedir um favor, um último favor – e desculpa se tornei isto, mais uma vez, acerca de mim. Nem nos últimos instantes da minha vida posso deixar de ser egoísta. Preciso que reveles o meu segredo ao mundo, que confirmes os rumores.
Sim, eu sou da Máfia do Amor. Fui a fundadora do conceito, reuni o movimento, dei um novo significado à expressão “crime de paixão”.
É lamentável como este país não tem jornalistas de investigação suficientemente bons ou persistentes ou sequer inteligentes para eu ter de deixar um bilhete de suicídio que revele a verdade. Ridículo. Aquilo que para mim foi um hobbie perverso nunca foi descoberto pelas autoridades ou os Srs. detectives jornalistas. Foram tantas as pistas que eu deixei, tantas as pontas soltas. E pronto. É essa a única coisa de que me orgulho da vida que vivi. A única diferença que deixei neste mundo. No mundo que eu odeei por me estigmatizar, num mundo que eu odeei por considerar aqueles actos de justiça poética ilegalidades. Ao menos deixei o mundo um pouco mais justo quando parti, ensinei os homens a serem mais responsáveis quando se trata de o coração de uma mulher, nem que os meus métodos de coação tenham sido – confesso – um pouco atrozes. Extremos, como eu. Por isso deixo-te a prova. Deixo-te as planificações, os vídeos, os disfarces, os contactos de onde eu ia buscar a minha influência baseada numa corrupta troca de favores, as passwords.
Por último, peço-te que, da melhor maneira que puderes, faças circular aquela minha foto que nunca tornei pública. Aquela a que tu chamaste “os olhos da Monalisa”. Lembras-te? Aquela a que tu me disseste “tão estranho, tens um rosto calmo e sereno mas os teus olhos parecem extraordinariamente tristes”, e depois rimos. Disseste-me que estava ressacada, e depois divagaste sobre o quadro da Monalisa.
Essa fotografia minha é, sem dúvida, a mais representativa de mim. E quero ser lembrada assim. Já que uma vida inteira foi inútil para conseguir mostrar ao mundo o meu representativo eu, espero que uma imagem o tenha conseguido capturar. Sou tão crente no poder da imagem estática, tu sabes disso.
Nela estou calma, sem sorriso, com os olhos tristes. Tenho o batom e as unhas de um vermelho cor de fogo e depois aquele pedaço de rímel borrado que me chega à bochecha em forma de lágrima negra, e denuncia o meu pranto. Na ponta dos dedos um cigarro quase completamente queimado e os lábios cerrados que escondem um sorriso amarelo de tanto sucumbir à tentação do tabaco. Quero ser recordada nessa foto porque ela demonstra como o meu eu eufórico é nulo, como fui uma fraude a vida inteira. E o batom de cor vermelha porque esse sim, é o das mulheres destemidas. Daquelas que não temem a atenção, e são independentes o suficiente para lidarem com o assédio e a materialização do seu corpo, a subestimação da sua personalidade, a sua sexualidade. O tabaco porque ele sempre me acompanhou, muitas vezes me foi mais amigo que tu. Me consolou e ouviu numa comunicação de sentido único, silenciosa. O tabaco que sempre representou o quanto sou fraca e, simultaneamente, forte. Ele que demonstra a minha predisposição para me agarrar conscientemente às coisas que me fazem mal. Ele que revelou a minha teimosia e determinação em não fazer de mim uma vítima, por não ter tentado nem uma vez deixar de fumar. Ele que falou ao mundo da forma como consigo ser corajosa ao ser humana, com defeitos e fraquezas, sem medo de os admitir.
Preciso mesmo que o rímel borrado fique em revelo, ele que me acompanhou uma vida. O rímel que nessa foto demonstra o meu poder exímio em nunca descurar a minha imagem, nem que fosse para ir ter contigo e chorar. E a lágrima. Essa lágrima que demonstra a minha desilusão face àquela que em breve vou deixar de chamar minha: a minha vida. A minha vida fatalista, dramática, com emoções em hipérbole. Aquela que deveria ser a vida por excelência. A vida sincera, feia, verdadeira.
Nessa foto estou hedionda, eu sei. Quero ser recordada assim, no pico da minha fealdade, para garantir ao mundo que sou vista como fui, hedionda até aos ossos.
“As mulheres não são feias desmaquilhadas, nem tanto a chorar. Não percebo esse mito”, disse-me aquele filho da puta. Uma grande de uma mentira. Ao menos a minha foto não terá mentiras.
Obrigada.
Adoro-te.
Um beijo.
Ou melhor, adeus.
Sim, adeus. Porque me despeço.
Mas odeio melancolias, porque me fazem lembrar de mim.
E odeio rodeios, talvez pela mesma razão.
E como nunca é tarde demais para mudar, vou directa ao assunto. Tentar.
Tu sabes que existem muitas poucas coisas na minha vida de que me orgulho. Para além da minha personalidade, tudo o resto foi desilusão. Basicamente fui uma pessoa distinta que fez muitas más escolhas. Uma pessoa brilhante tornada numa pessoa má. Então despeço-me, porque nesta vida já não há nada mais que eu queira ver, sentir, ter. Nada nesta vida que me prenda a ela, que me surpreenda, já senti de tudo. Foi uma vida que só me desiludiu, revelou-me um mundo que eu desconheço. Então desisto, admito a minha cobardia e retiro-me em pleno pico de sucesso e juventude. Porque é assim que eu quero ser recordada.
O meu sonho para este mundo realizar-se-á quando no Carnaval as pessoas se mascarem de mim. Quando eu for um ícone. Quando a minha imagem ou o meu nome representarem lenda, respeito, coragem ou cobardia assumida (o tipo de cobardia mais corajosa). Aí significará que ao menos a minha vida não foi em vão, que todos os erros que cometi serviram de alguma coisa.
Mas voltando ao orgulho, eu só te escrevo para te pedir um favor, um último favor – e desculpa se tornei isto, mais uma vez, acerca de mim. Nem nos últimos instantes da minha vida posso deixar de ser egoísta. Preciso que reveles o meu segredo ao mundo, que confirmes os rumores.
Sim, eu sou da Máfia do Amor. Fui a fundadora do conceito, reuni o movimento, dei um novo significado à expressão “crime de paixão”.
É lamentável como este país não tem jornalistas de investigação suficientemente bons ou persistentes ou sequer inteligentes para eu ter de deixar um bilhete de suicídio que revele a verdade. Ridículo. Aquilo que para mim foi um hobbie perverso nunca foi descoberto pelas autoridades ou os Srs. detectives jornalistas. Foram tantas as pistas que eu deixei, tantas as pontas soltas. E pronto. É essa a única coisa de que me orgulho da vida que vivi. A única diferença que deixei neste mundo. No mundo que eu odeei por me estigmatizar, num mundo que eu odeei por considerar aqueles actos de justiça poética ilegalidades. Ao menos deixei o mundo um pouco mais justo quando parti, ensinei os homens a serem mais responsáveis quando se trata de o coração de uma mulher, nem que os meus métodos de coação tenham sido – confesso – um pouco atrozes. Extremos, como eu. Por isso deixo-te a prova. Deixo-te as planificações, os vídeos, os disfarces, os contactos de onde eu ia buscar a minha influência baseada numa corrupta troca de favores, as passwords.
Por último, peço-te que, da melhor maneira que puderes, faças circular aquela minha foto que nunca tornei pública. Aquela a que tu chamaste “os olhos da Monalisa”. Lembras-te? Aquela a que tu me disseste “tão estranho, tens um rosto calmo e sereno mas os teus olhos parecem extraordinariamente tristes”, e depois rimos. Disseste-me que estava ressacada, e depois divagaste sobre o quadro da Monalisa.
Essa fotografia minha é, sem dúvida, a mais representativa de mim. E quero ser lembrada assim. Já que uma vida inteira foi inútil para conseguir mostrar ao mundo o meu representativo eu, espero que uma imagem o tenha conseguido capturar. Sou tão crente no poder da imagem estática, tu sabes disso.
Nela estou calma, sem sorriso, com os olhos tristes. Tenho o batom e as unhas de um vermelho cor de fogo e depois aquele pedaço de rímel borrado que me chega à bochecha em forma de lágrima negra, e denuncia o meu pranto. Na ponta dos dedos um cigarro quase completamente queimado e os lábios cerrados que escondem um sorriso amarelo de tanto sucumbir à tentação do tabaco. Quero ser recordada nessa foto porque ela demonstra como o meu eu eufórico é nulo, como fui uma fraude a vida inteira. E o batom de cor vermelha porque esse sim, é o das mulheres destemidas. Daquelas que não temem a atenção, e são independentes o suficiente para lidarem com o assédio e a materialização do seu corpo, a subestimação da sua personalidade, a sua sexualidade. O tabaco porque ele sempre me acompanhou, muitas vezes me foi mais amigo que tu. Me consolou e ouviu numa comunicação de sentido único, silenciosa. O tabaco que sempre representou o quanto sou fraca e, simultaneamente, forte. Ele que demonstra a minha predisposição para me agarrar conscientemente às coisas que me fazem mal. Ele que revelou a minha teimosia e determinação em não fazer de mim uma vítima, por não ter tentado nem uma vez deixar de fumar. Ele que falou ao mundo da forma como consigo ser corajosa ao ser humana, com defeitos e fraquezas, sem medo de os admitir.
Preciso mesmo que o rímel borrado fique em revelo, ele que me acompanhou uma vida. O rímel que nessa foto demonstra o meu poder exímio em nunca descurar a minha imagem, nem que fosse para ir ter contigo e chorar. E a lágrima. Essa lágrima que demonstra a minha desilusão face àquela que em breve vou deixar de chamar minha: a minha vida. A minha vida fatalista, dramática, com emoções em hipérbole. Aquela que deveria ser a vida por excelência. A vida sincera, feia, verdadeira.
Nessa foto estou hedionda, eu sei. Quero ser recordada assim, no pico da minha fealdade, para garantir ao mundo que sou vista como fui, hedionda até aos ossos.
“As mulheres não são feias desmaquilhadas, nem tanto a chorar. Não percebo esse mito”, disse-me aquele filho da puta. Uma grande de uma mentira. Ao menos a minha foto não terá mentiras.
Obrigada.
Adoro-te.
Um beijo.
14 June 2008
as palavras silenciosas
"- Que foi? Parece que nunca me viste.
- Na-não. Nada. Quer dizer... Nunca te vi foi tão linda como hoje.
- Então é porque nunca olhaste bem para mim."
A personagem feminina das minhas fantasias é assim, uma típica, arrojada, sincera femme fatale.
Adoro-a porque criei-a para ser assim.
Ela odeia o silêncio, mas adora o silêncio das palavras. Odeia socializar, odeia ouvi-los falar. Por isso é que adora tanto ler, são palavras na sua única forma silenciosa. Por isso é que adora música instrumental. Jazz, soul, funk, trip hop, chill out, até a música mais ruidosa, ela prefere-a sempre sem palavras.
A minha heroína considera o mundo um sítio melhor apenas com alguma inteligência emocional, perdeu demasiado tempo a analisar as pessoas para saber que são raras as que não repetem algo que ela já saiba. Ela acredita no poder da comunicação, e na fatia fraca que as palavras representam dele, por isso é que as utiliza apenas quando acha extremamente necessário. Para si, num mundo perfeito, as pessoas só falariam quando tivessem realmente algo a dizer. As palavras deveriam ser vistas como instrumento utilitário da comunicação, não como a própria comunicação. E ainda assim, instrumento ou não, não deveriam ser subestimadas, nem exaustivas, isso só lhes retira valor. Por isso é que raramente mente, nem para evitar magoar alguém, porque o considera um desperdício de palavras. Odeia políticos porque adoram discursar, debater, declarar. Odeia coscuvilhice, coscuvilheiros e novelas. Odeia que lhe repitam algo a menos que pergunte. E raramente pergunta. Adora cinema mudo ou cinema contemporâneo que seja quase quase mudo. Aquele cinema que é quase tudo subentendido, e que dá o dobro do trabalho aos actores com as expressões faciais, e aos cineastas com os planos inteligentes. Odeia refrões. Adora televisão com legendas.
Muitas vezes ela própria desiste de comunicar para si, ainda que em forma silenciosa, porque chega à conclusão que são pensamentos que já teve e, apesar de um pouco nostálgica (como humana que é), é uma pessoa essencialmente prática; se um pensamento não a ajuda no seu caminho futuro, no seu crescimento pessoal, na sua demanda pela conquista do mundo, ela foge dele, evita-o, contorna-o, preenche o seu pensamento com pensamentos mais construtivos.
Por isso é que ela é solitária, ainda não encontrou alguém que a faça desistir do silêncio ou que - melhor ainda - a ame em silêncio.
- Na-não. Nada. Quer dizer... Nunca te vi foi tão linda como hoje.
- Então é porque nunca olhaste bem para mim."
A personagem feminina das minhas fantasias é assim, uma típica, arrojada, sincera femme fatale.
Adoro-a porque criei-a para ser assim.
Ela odeia o silêncio, mas adora o silêncio das palavras. Odeia socializar, odeia ouvi-los falar. Por isso é que adora tanto ler, são palavras na sua única forma silenciosa. Por isso é que adora música instrumental. Jazz, soul, funk, trip hop, chill out, até a música mais ruidosa, ela prefere-a sempre sem palavras.
A minha heroína considera o mundo um sítio melhor apenas com alguma inteligência emocional, perdeu demasiado tempo a analisar as pessoas para saber que são raras as que não repetem algo que ela já saiba. Ela acredita no poder da comunicação, e na fatia fraca que as palavras representam dele, por isso é que as utiliza apenas quando acha extremamente necessário. Para si, num mundo perfeito, as pessoas só falariam quando tivessem realmente algo a dizer. As palavras deveriam ser vistas como instrumento utilitário da comunicação, não como a própria comunicação. E ainda assim, instrumento ou não, não deveriam ser subestimadas, nem exaustivas, isso só lhes retira valor. Por isso é que raramente mente, nem para evitar magoar alguém, porque o considera um desperdício de palavras. Odeia políticos porque adoram discursar, debater, declarar. Odeia coscuvilhice, coscuvilheiros e novelas. Odeia que lhe repitam algo a menos que pergunte. E raramente pergunta. Adora cinema mudo ou cinema contemporâneo que seja quase quase mudo. Aquele cinema que é quase tudo subentendido, e que dá o dobro do trabalho aos actores com as expressões faciais, e aos cineastas com os planos inteligentes. Odeia refrões. Adora televisão com legendas.
Muitas vezes ela própria desiste de comunicar para si, ainda que em forma silenciosa, porque chega à conclusão que são pensamentos que já teve e, apesar de um pouco nostálgica (como humana que é), é uma pessoa essencialmente prática; se um pensamento não a ajuda no seu caminho futuro, no seu crescimento pessoal, na sua demanda pela conquista do mundo, ela foge dele, evita-o, contorna-o, preenche o seu pensamento com pensamentos mais construtivos.
Por isso é que ela é solitária, ainda não encontrou alguém que a faça desistir do silêncio ou que - melhor ainda - a ame em silêncio.
08 June 2008
Uma história
Parte 1
- Fumas muito raramente.
Ela olha-o de soslaio. Já o tinha observado ali, e sabia que ele a olhava fixamente e com fascínio, não muito diferente de todos os outros homens, e sabia que mais tarde ou mais cedo ele iria dizer qualquer coisa. Só nunca imaginou que seria isto.
Marta não responde. Apesar de surpreendida, não importa quão original seja a frase de engate, e quão giro seja o tipo. Ela faz aquele ar de desprezo que faz a todos. É esse o seu truque de engate. Mas neste caso acrescentou uma expressão que denunciou a exigência de uma explicação.
- Sim, fumas muito raramente. Já te mudaste para aqui há duas semanas e esta é a segunda vez que te vejo fumar.
Esta merece resposta.
- E tu és o quê? Um desempregado que nunca sai de casa, toma conta da carrinha das mudanças dos vizinhos e conta as vezes que vão à varanda e fumam? Posso muito bem ter fumado em casa milhões de vezes nestas duas semanas.
- Por acaso trabalho em casa. E tu és uma fumadora de varanda, dá para ver.
“Que irritante este homem”, pensa. E revira os olhos sem responder.
- Porquê que fumas assim de maneira tão estranha? Estás a tentar seduzir-me? – Ele insiste. Ela ri com desprezo e depois diz:
- Não fumo de maneira estranha. Fumo e pronto.
- Não, tu enrolas o fumo na boca quando puxas uma quantidade exorbitante, dás um primeiro mini bafo que nem é travado, e finalmente travas e expiras, deixando sair uma quantidade interessante de fumo que é fisiologicamente impossível de expirar de uma só vez. Não percebo como nem porquê o fazes. Mas deixemos o como. Presumo que o fazes porque sabes que tens os lábios bonitos e habituaste-te a seduzir os homens assim. É a maneira mais perspicaz de fumares sem pareceres reles, e enquanto brincas com o fumo os teus lábios ficam maravilhosos.
Ela boceja.
- Não, eu fumo assim porque fumo assim, os lábios giros são só um bónus que é inerente. E não acho minimamente interessante pretender um pouco de calma e privacidade e vir para a varanda para ser psicanalisada.
E atira o cigarro para fora e sai fechando a varanda atrás de si. Fá-lo suavemente mas apetecia-lhe ter partido o vidro. A vida de Marta é assim. Uma história de contenções e convenções, uma actriz do melhor a trabalhar no Marketing. Para ela não existem mas, nem não obstantes, nem poréns. Nem sins nem nãos, na vida de Marta só existem concertezas. Tudo o que ela faz fá-lo com uma segurança que parece inatingível para todos os mortais comuns. É forte, decidida, solteira. Tem uma vida de luxo e tudo o que tem ganhou-o à força da sua teimosia. Na sua vida não há incertezas, nem tempo para correr riscos. O ramo do Marketing é um campo competitivo, e ela não pode demonstrar-se indecisa em relação às miúdas mais novas da empresa. Sem se dar conta, transportou o Marketing para a sua vida, e não há ninguém melhor do que ela a vender o seu próprio produto. Se quisesse, conseguiria convencer o Papa a santificar Hitler. Mesmo que se arrependa de uma decisão de tomou, de uma aquisição que fez, de uma opinião que tem, ela mantêm-se agarrada a ela. Repensar, desistir, ponderar, são tudo sinais de fraqueza. Mesmo que ela não acredite realmente numa apresentação que está a fazer de um produto, mesmo que a sua pesquisa não tenha sido suficiente, ela demonstra saber tudo. Para si não há o não sei. Ela mente e acredita que aquele produto é mesmo fantástico e magnífico. “A vida é um enorme jogo de póquer”, repete-o constantemente, para si a melhor técnica para demonstrar confiança é o bluff. Não importa se não nos sentimos confiantes, desde que façamos os outros acreditar que somos fantásticos, tornamo-nos realmente fantásticos.
É por isso que quando Marta vai a um concessionário já sabe o carro que quer, e quando vai à agência de viagens já sabe para onde viajar. É prática, rápida e versátil. Não perde tempo porque não tem muito tempo a perder, e quando toma uma decisão da qual não está certa, simplesmente não se arrepende, aprende a habituar-se a ela. Adapta-se. Talvez seja por isso que nunca se casou, tem medo de não se adaptar e de não poder voltar atrás porque foi essa a regra que adoptou para a sua inteira vida. Mesmo quando tinha 13 anos e decidiu mudar-se para a casa da tia porque vivia em Lisboa e estava aterrada de medo que a grande cidade a engolisse, Marta não voltou atrás para nunca ter de dar razão à mãe. A mãe de Marta nunca lhe impôs limites, sempre lhe deu liberdade de escolher o que queria mesmo desde pequena. Para ela as pessoas só aprendem com os erros, e de nada lhes serve serem protegidas. Então, deixou-a ir para Lisboa assim que esta lhe pediu, mas primeiro avisou-lhe que aquela vida é fria e superficial e que mais cedo do que ela imaginaria, ela voltaria.
Marta nunca voltou. Primeiro odiou toda a gente, para passar a achar a cidade divertidíssima por volta dos 16, para depois voltar a odiá-la. Mas na vida de Marta não há o “não sei” nem o “talvez”, por isso é que ela não voltou para o regaço da mãe e nem lhe faz mais do que três telefonemas por ano: Natal, ano novo, e aniversário. Os outros feriados cristãos nem sequer existem.
Parte 2
- Fica sabendo que a palavra mini bafo não existe.
- O quê, estiveste este tempo todo em casa a ver isso no dicionário? E mini bafo são duas palavras.
- Não se for separado por um hífen.
- Mas se for um neologismo existe, não precisa estar num dicionário.
- Os neologismo são uma desculpa barata, comum e fácil para os pseudo-intelectuais que dizem coisas à toa e depois tentam remediar a sua ignorância dizendo que inventam palavras. Não é inteligente nem divertido. Aborrece-me.
- Nunca vi ninguém argumentar sobre uma coisa que não existe, e no entanto defender que esta é separada por um hífen. Se a primeira premissa é falsa, a segunda é necessariamente falsa, nunca ouviste dizer?
Marta raramente fica sem resposta. Pode parecer que não, mas encontrar um homem solteiro, giro e inteligente é coisa rara, mesmo para uma cidade tão grande. E rico, claro. Porque se mora na varanda a seguir à sua, tem de necessariamente ter o mesmo poder capital que ela tem. A não ser que ele se tenha inundado em prestações como ela o fez, para ter uma casa ao lado do El Corte Inglés, com vista sobre o Parque. Quão ostentoso é, ter um apartamento que, para além de se situar na mesma rua do Parque Eduardo XII, está colado a um centro comercial de luxo? E para Marta o dinheiro é muito importante, ela lamenta, mas é.
Ela ri-se, para se safar de responder àquela brilhante argumentação. É o que faz quando fica desarmada, o seu sorriso é o contra-ataque sem armas perfeito que a ajuda a sair bem sucedida sempre. Mas na verdade está fula com ele porque fumar é o seu acto solitário. Fá-lo porque precisa daqueles momentos de reflexão sozinha, desde que fumar se tornou um flagelo social aos olhos de toda a gente, ela aproveita isso como desculpa para se esgueirar por breves momentos dos jantares enfadonhos da firma (que, ironicamente, dão pelo nome de socialização) e aprecia cada momento sozinha. Marta sempre foi uma pessoa solitária, e sempre batalhou pela sua solidão. Nunca quis ter colegas de casa, nem mesmo quando andava na faculdade e o dinheiro era curto. E fumar é o derradeiro acto solitário. Ela nunca percebeu bem, por exemplo, aquelas pessoas que dizem que fumam apenas socialmente. Acha-las ridículas. “Não me venham com tretas, fumar deve ser solitário”, pensa ela, por cada vez que alguém evoca o social para fumar. Ela própria certifica-se que ninguém está por perto quando utiliza a desculpa para fumar para ter uns momentos consigo própria, porque não quer ser acompanhada e nem quer ter de fazer conversa de fumo.
- Bolas, o tabaco está caro...
- Sim, um dia vou deixar de fumar...
- E faz mal à saúde...
- Pois faz. Andamos a pagar para morrer...
Para ela tudo isso é ridículo, fumar é uma escolha. Odeia pessoas que não têm nada de pertinente para dizer, que nada acrescentam à sua sabedoria. Principalmente, odeia vítimas. Ela fuma porque quer, não considera uma fraqueza nem um vício que não consegue controlar, considera sim uma escolha, uma decisão, quer lá saber se é estigmatizada, se a mata, se é caro. Ela fuma por que quer, não é nenhuma vítima do seu vício. Assim como ser solitária e independente, Marta é aquele tipo de mulher que também não vai à casa de banho com as amigas. Vai sozinha.
Marta tem isso tão presente no seu íntimo que escolhe sempre parceiros não fumadores, para ter uma desculpa para se levantar da cama depois do acto sexual. Assim, uma vez vestida, não é tão difícil sair e voltar à solidão da sua casa. Começa por um “vou fumar um cigarro à janela” e depois esgueira-se. Em casos mais extremos, com aqueles que não são casados e querem que ela passe a noite lá em casa, ela diz que vai à estação de serviço mais próxima comprar tabaco e depois simplesmente faz um telefonema a dizer que está cansada e perto de casa, portanto, por uma questão de logística de quilómetros, vai para sua casa. Ela é assim, bastante frontal no que diz respeito a tudo, excepto relações inter pessoais.
Mas acima de tudo, o que mais irrita a Marta é o facto de ela desta vez estar a gostar desta companhia. Mas ela não o demonstrará.
Depois do sorriso acanhado que raramente faz, despede-se com a mínima educação e a máxima frieza que a caracteriza e sai.
- Fumas muito raramente.
Ela olha-o de soslaio. Já o tinha observado ali, e sabia que ele a olhava fixamente e com fascínio, não muito diferente de todos os outros homens, e sabia que mais tarde ou mais cedo ele iria dizer qualquer coisa. Só nunca imaginou que seria isto.
Marta não responde. Apesar de surpreendida, não importa quão original seja a frase de engate, e quão giro seja o tipo. Ela faz aquele ar de desprezo que faz a todos. É esse o seu truque de engate. Mas neste caso acrescentou uma expressão que denunciou a exigência de uma explicação.
- Sim, fumas muito raramente. Já te mudaste para aqui há duas semanas e esta é a segunda vez que te vejo fumar.
Esta merece resposta.
- E tu és o quê? Um desempregado que nunca sai de casa, toma conta da carrinha das mudanças dos vizinhos e conta as vezes que vão à varanda e fumam? Posso muito bem ter fumado em casa milhões de vezes nestas duas semanas.
- Por acaso trabalho em casa. E tu és uma fumadora de varanda, dá para ver.
“Que irritante este homem”, pensa. E revira os olhos sem responder.
- Porquê que fumas assim de maneira tão estranha? Estás a tentar seduzir-me? – Ele insiste. Ela ri com desprezo e depois diz:
- Não fumo de maneira estranha. Fumo e pronto.
- Não, tu enrolas o fumo na boca quando puxas uma quantidade exorbitante, dás um primeiro mini bafo que nem é travado, e finalmente travas e expiras, deixando sair uma quantidade interessante de fumo que é fisiologicamente impossível de expirar de uma só vez. Não percebo como nem porquê o fazes. Mas deixemos o como. Presumo que o fazes porque sabes que tens os lábios bonitos e habituaste-te a seduzir os homens assim. É a maneira mais perspicaz de fumares sem pareceres reles, e enquanto brincas com o fumo os teus lábios ficam maravilhosos.
Ela boceja.
- Não, eu fumo assim porque fumo assim, os lábios giros são só um bónus que é inerente. E não acho minimamente interessante pretender um pouco de calma e privacidade e vir para a varanda para ser psicanalisada.
E atira o cigarro para fora e sai fechando a varanda atrás de si. Fá-lo suavemente mas apetecia-lhe ter partido o vidro. A vida de Marta é assim. Uma história de contenções e convenções, uma actriz do melhor a trabalhar no Marketing. Para ela não existem mas, nem não obstantes, nem poréns. Nem sins nem nãos, na vida de Marta só existem concertezas. Tudo o que ela faz fá-lo com uma segurança que parece inatingível para todos os mortais comuns. É forte, decidida, solteira. Tem uma vida de luxo e tudo o que tem ganhou-o à força da sua teimosia. Na sua vida não há incertezas, nem tempo para correr riscos. O ramo do Marketing é um campo competitivo, e ela não pode demonstrar-se indecisa em relação às miúdas mais novas da empresa. Sem se dar conta, transportou o Marketing para a sua vida, e não há ninguém melhor do que ela a vender o seu próprio produto. Se quisesse, conseguiria convencer o Papa a santificar Hitler. Mesmo que se arrependa de uma decisão de tomou, de uma aquisição que fez, de uma opinião que tem, ela mantêm-se agarrada a ela. Repensar, desistir, ponderar, são tudo sinais de fraqueza. Mesmo que ela não acredite realmente numa apresentação que está a fazer de um produto, mesmo que a sua pesquisa não tenha sido suficiente, ela demonstra saber tudo. Para si não há o não sei. Ela mente e acredita que aquele produto é mesmo fantástico e magnífico. “A vida é um enorme jogo de póquer”, repete-o constantemente, para si a melhor técnica para demonstrar confiança é o bluff. Não importa se não nos sentimos confiantes, desde que façamos os outros acreditar que somos fantásticos, tornamo-nos realmente fantásticos.
É por isso que quando Marta vai a um concessionário já sabe o carro que quer, e quando vai à agência de viagens já sabe para onde viajar. É prática, rápida e versátil. Não perde tempo porque não tem muito tempo a perder, e quando toma uma decisão da qual não está certa, simplesmente não se arrepende, aprende a habituar-se a ela. Adapta-se. Talvez seja por isso que nunca se casou, tem medo de não se adaptar e de não poder voltar atrás porque foi essa a regra que adoptou para a sua inteira vida. Mesmo quando tinha 13 anos e decidiu mudar-se para a casa da tia porque vivia em Lisboa e estava aterrada de medo que a grande cidade a engolisse, Marta não voltou atrás para nunca ter de dar razão à mãe. A mãe de Marta nunca lhe impôs limites, sempre lhe deu liberdade de escolher o que queria mesmo desde pequena. Para ela as pessoas só aprendem com os erros, e de nada lhes serve serem protegidas. Então, deixou-a ir para Lisboa assim que esta lhe pediu, mas primeiro avisou-lhe que aquela vida é fria e superficial e que mais cedo do que ela imaginaria, ela voltaria.
Marta nunca voltou. Primeiro odiou toda a gente, para passar a achar a cidade divertidíssima por volta dos 16, para depois voltar a odiá-la. Mas na vida de Marta não há o “não sei” nem o “talvez”, por isso é que ela não voltou para o regaço da mãe e nem lhe faz mais do que três telefonemas por ano: Natal, ano novo, e aniversário. Os outros feriados cristãos nem sequer existem.
Parte 2
- Fica sabendo que a palavra mini bafo não existe.
- O quê, estiveste este tempo todo em casa a ver isso no dicionário? E mini bafo são duas palavras.
- Não se for separado por um hífen.
- Mas se for um neologismo existe, não precisa estar num dicionário.
- Os neologismo são uma desculpa barata, comum e fácil para os pseudo-intelectuais que dizem coisas à toa e depois tentam remediar a sua ignorância dizendo que inventam palavras. Não é inteligente nem divertido. Aborrece-me.
- Nunca vi ninguém argumentar sobre uma coisa que não existe, e no entanto defender que esta é separada por um hífen. Se a primeira premissa é falsa, a segunda é necessariamente falsa, nunca ouviste dizer?
Marta raramente fica sem resposta. Pode parecer que não, mas encontrar um homem solteiro, giro e inteligente é coisa rara, mesmo para uma cidade tão grande. E rico, claro. Porque se mora na varanda a seguir à sua, tem de necessariamente ter o mesmo poder capital que ela tem. A não ser que ele se tenha inundado em prestações como ela o fez, para ter uma casa ao lado do El Corte Inglés, com vista sobre o Parque. Quão ostentoso é, ter um apartamento que, para além de se situar na mesma rua do Parque Eduardo XII, está colado a um centro comercial de luxo? E para Marta o dinheiro é muito importante, ela lamenta, mas é.
Ela ri-se, para se safar de responder àquela brilhante argumentação. É o que faz quando fica desarmada, o seu sorriso é o contra-ataque sem armas perfeito que a ajuda a sair bem sucedida sempre. Mas na verdade está fula com ele porque fumar é o seu acto solitário. Fá-lo porque precisa daqueles momentos de reflexão sozinha, desde que fumar se tornou um flagelo social aos olhos de toda a gente, ela aproveita isso como desculpa para se esgueirar por breves momentos dos jantares enfadonhos da firma (que, ironicamente, dão pelo nome de socialização) e aprecia cada momento sozinha. Marta sempre foi uma pessoa solitária, e sempre batalhou pela sua solidão. Nunca quis ter colegas de casa, nem mesmo quando andava na faculdade e o dinheiro era curto. E fumar é o derradeiro acto solitário. Ela nunca percebeu bem, por exemplo, aquelas pessoas que dizem que fumam apenas socialmente. Acha-las ridículas. “Não me venham com tretas, fumar deve ser solitário”, pensa ela, por cada vez que alguém evoca o social para fumar. Ela própria certifica-se que ninguém está por perto quando utiliza a desculpa para fumar para ter uns momentos consigo própria, porque não quer ser acompanhada e nem quer ter de fazer conversa de fumo.
- Bolas, o tabaco está caro...
- Sim, um dia vou deixar de fumar...
- E faz mal à saúde...
- Pois faz. Andamos a pagar para morrer...
Para ela tudo isso é ridículo, fumar é uma escolha. Odeia pessoas que não têm nada de pertinente para dizer, que nada acrescentam à sua sabedoria. Principalmente, odeia vítimas. Ela fuma porque quer, não considera uma fraqueza nem um vício que não consegue controlar, considera sim uma escolha, uma decisão, quer lá saber se é estigmatizada, se a mata, se é caro. Ela fuma por que quer, não é nenhuma vítima do seu vício. Assim como ser solitária e independente, Marta é aquele tipo de mulher que também não vai à casa de banho com as amigas. Vai sozinha.
Marta tem isso tão presente no seu íntimo que escolhe sempre parceiros não fumadores, para ter uma desculpa para se levantar da cama depois do acto sexual. Assim, uma vez vestida, não é tão difícil sair e voltar à solidão da sua casa. Começa por um “vou fumar um cigarro à janela” e depois esgueira-se. Em casos mais extremos, com aqueles que não são casados e querem que ela passe a noite lá em casa, ela diz que vai à estação de serviço mais próxima comprar tabaco e depois simplesmente faz um telefonema a dizer que está cansada e perto de casa, portanto, por uma questão de logística de quilómetros, vai para sua casa. Ela é assim, bastante frontal no que diz respeito a tudo, excepto relações inter pessoais.
Mas acima de tudo, o que mais irrita a Marta é o facto de ela desta vez estar a gostar desta companhia. Mas ela não o demonstrará.
Depois do sorriso acanhado que raramente faz, despede-se com a mínima educação e a máxima frieza que a caracteriza e sai.
01 June 2008
i told you so about a hundred times.
"Reason will not lead to solution
I will end up lost in confusion."
I will end up lost in confusion."
Todo e qualquer nome possível para este blog não fará qualquer sentido.
A minha demanda pelo amor acabou. Ou pelo menos está suspensa até novas ordens.
Não porque o encontrei, ou talvez até o tenha encontrado, mas apenas por mim própria. Ah, e principalmente porque tive o meu momento Oprah Show.
Yep, descobri o segredo: antes de encontrar o amor, tenho de encontrar maneira de estar bem sozinha.
"But I'm good at being uncomfortable, so
I can't stop changing all the time."
Eu bem vos disse.
Não porque o encontrei, ou talvez até o tenha encontrado, mas apenas por mim própria. Ah, e principalmente porque tive o meu momento Oprah Show.
Yep, descobri o segredo: antes de encontrar o amor, tenho de encontrar maneira de estar bem sozinha.
"But I'm good at being uncomfortable, so
I can't stop changing all the time."
Eu bem vos disse.
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