- Como é que viemos aqui parar? - Pergunta ela, aos tropeções tentando arranjar uma posição confortável naquela cama, tentando segurar a cabeça com toda a força do seu pescoço, tentando concentrar-se a minimizar o efeito do vinho, - hã? - Pergunta novamente, agora ainda mais infantil, esperando uma resposta dele. Ela olha à sua volta.
- Shh... - sussurra ele, pousando-lhe um dedo descoordenado sobre os lábios. Ele também está claramente bêbado, e pergunta-se se isto será um erro. Ela sabe, efectivamente, que aquilo é um erro. Mas a personagem feminina desta fantasia sempre se sentiu atraída por coisas erradas; aliás, tudo o que ela sabe fazer é errar, é essa a história da sua vida. É uma história baseada na sucessão de erros que vieram a demonstrar-se interessantes e que a levaram até onde se encontra hoje: um quarto de hotel luxuoso, imundo às custas duma vida boémia, pago pela empresa que os levou ali como colegas de trabalho. É isso que lhe dá prazer, de entre todas as luxúrias quotidianas a que sucumbe. Viver uma vida de erros dos quais nunca se arrependerá, porque estará demasiado bêbada para se aperceber deles. Viver uma vida de belos infortúnios, que sabe que lhe acontecem porque os homens são demasiado fracos para lhe recusarem algo. Ela afinal não é tão estúpida quanto isso. Apaixonada pelo proibido, pela vida, pelo pecado, sim. Estúpida, não. E a maior prova disso é que ela construiu a vida dos seus sonhos fazendo-se passar por estúpida.
E aquela relação, aquele rufar de tambores que agora se anuncia perante ambos, durou um ano a alcançar. É persistente, nem todo o tempo do mundo a demove dos seus objectivos. Foi paciente o suficiente para esperar por aquele momento. E agora finge que não está a dar por ele, que ele passa por si despercebido, que não foi ela que o perseguiu, que é mais um infortúnio, mais um daqueles que lhe acontecem.
- Que cliché, fazeres isso do shh, estás a tentar ser sensual? - Finaliza ela, já sabendo que aquela frase o deixará intrigado. É assim que ela trabalha, até ao momento do sexo, às vezes mesmo após, ela nunca se entrega, deixa-os sempre com o gostinho amargo da dúvida de que eles poderão, afinal, não a ter. Pelo menos naquela noite.
E assim, ele tropeça na sua teia. Sempre adorou a brutalidade sincera do seu discurso, "existem tão poucas mulheres assim, tão pouco confiantes ao ponto de dizerem a verdade", pensa. Isso excita-o ainda que de uma forma não física, que, porém, se transfere até o seu físico. Os homens inteligentes são assim, funcionam com o cérebro, é o membro deles que tem de ser estimulado sexualmente. E ela sabe-o, sempre o operou porque percebeu desde nova que o corpo não era o seu melhor atributo, era a sua inteligência e como a poderia usar: fazer-se passar por confiante, escolher ser misteriosa, fingir-se de ingénua quando é calculista, fingir-se dominada quando domina, e praticar a sua sensualidade com base na sugestão, sem nunca, nunca perder a classe. A beleza física, aliás, é efémera, e ela é inteligente que baste para perceber que não poderá fazer uso exclusivo dela para sempre.
Ele explica:
- Tu és a namorada oficial do não-sei-das-quantas, a paixão de dois dos meus colegas de banda e a amante do meu ídolo. Como é que podes ter espaço para mais um homem na tua vida? - Ambos riem de forma perversa, e as suas testas e narizes encontram-se; sentem agora o hálito latejante um do outro.
- Cala-te agora tu. Eu não sou tua, nunca serei. Portanto não terei de arranjar "espaço" para ti na minha vida. E se queres saber, eu só sou uma promiscua sabes porquê? - Diz ela, entre mais gargalhadas, arrastando as palavras, contorcendo-se, e com pausas desnecessárias. - Sabes porquê? Sabes? Não sabes... Porque eu apaixono-me. Sim, apaixono-me. Será normal? Gostar de mais que uma pessoa ao mesmo tempo? Eu vou para o inferno...
Ele beija-a, surpreendendo-a. Ela adora ser surpreendida. Ele sabe que aquele monólogo não irá a lado nenhum, sinceramente nem quer ouvi-lo. Deixou-se invadir pelo selvagem sentimento que o assola, apesar de todas as consequências que amanhã terá de enfrentar. Ele deseja-a demasiado para resistir ao seu perfume, aos seus lábios, à sua sensualidade tão espontânea.
Ela empurra-o:
- Contempla-me.
Ele não sabe bem o que fazer.
- Contempla-me! - Grita ela, num sussurro grave e de tom manipulador, porque aquela relação é segredo, é mentira.
Ainda sem saber o que fazer, ele sussurra o seu nome com uma clara terminação reticente, o típico sussurro de desejo.
- Contempla-me, diz que me queres -, insiste.
Ele não responde, ele nunca foi submisso. Custa-lhe porque ele quer aquele momento mais do que tudo, desde que se apercebeu que ela não era a burra que ele julgava ser. Mas este homem está habituado a dominar as mulheres, não o contrário. Ele quase que não acredita que tem 32 anos e que está quase, quase a ceder aos desejos de uma miúda de 21. Ele é o tipo de homem que tem groupies a toda a hora disponíveis, só porque toca numa banda. Mas esta não. Esta escolheu-o a ele, não o contrário, e ela quer deixar isso bem claro como a vingança da última vez que ele a julgou mais uma dessas fãs.
- Adoro ser adorada... - Sussurra ela, insistindo, adivinhando-lhe os pensamentos.
Ela agora está quase a oferecer-se a ele numa bandeja prateada, a mesma mulher que manipula o seu ídolo. Ela está de soutien preto, de um negro que lhe assenta perfeitamente no tom de pele, e de jeans justos. Desaperta o primeiro botão das calças, mostrando-se tímida, e fazendo um olhar que lhe diz que ela desapertará mais se ele a contemplar. Ele toma um momento e olha para ela com olhos de ver, agora sim, ele começa a ceder. Ela continua confiante e tímida, vira-se, brinca com a alça do soutien, puxa o cabelo para um lado e pede: "beija-me aqui", desviando o olhar para o seu pescoço.
Esta é uma mulher que não tem prazer no sexo, pelo menos não no coito. E ela já fez sexo vezes suficientes e com os mais diversos homens para saber que nunca terá prazer no sexo. Mas não é frustrada por isso. Ela arranjou maneira de contornar o problema. Preenche as lacunas do prazer físico com prazer emocional. E o autor deste texto não se refere a amor ao mencionar prazer emocional. Tudo o que ela tem é a emoção, já que fisicamente é frígida, então desafia-se a controlar os homens mais controladores, a infantilizar os homens mais adultos, a tornar fracos e submissos os mais confiantes. A superá-los; é isso que lhe dá prazer. Ela quase que se vinga do prazer que nunca terá, humilhando-os psicologicamente. Quando começam, ela transmite sempre a mensagem subliminar que terá de ser à maneira dela, ou não será.
Enquanto ele a beija, louco de respiração ofegante, enquanto ele a bajula fazendo do seu corpo um santuário de prazer, exactamente como ela impôs, ela luta por afastar-se dos seus pensamentos. "Meu Deus, como amo este homem... Como sou louca por ele... Vai partir-me o coração sair deste quarto e dizer-lhe que não o quero...", e concentra-se, tentando tirar máximo partido daqueles poucos momentos que alguma vez terá com o homem dos seus sonhos. E concentra-se, construindo a imagem mental da forma mais fria de o abandonar. Por minutos deixa-se levar, fraqueja ao pensar que poderia cometer este erro. Deixar-se levar, deixar-se apaixonar mais uma vez. "Seria o erro do erro", pensa. E lembra-se de como é tentador errar.
Ele está agora em êxtase, e ela levanta as sobrancelhas a si mesma, numa sensação de congratulação. "Foi por este momento que esperei. Não posso esperar mais, senão desisto e caio no erro do meu erro propositado, não pode ser". Ao passar por estes pensamentos, já quase completamente despida, alcança o seu pénis e verifica como está: duro, erguido, latejante. Ele já começa a expirar profundamente, em sinal de quem não aguenta muito mais.
"É agora."
Começa a beijar lentamente a barriga dele num trajecto descendente que acabará no seu pénis. Ele antecipa-se, e assume a posição típica de sexo oral; a posição egoísta que os homens assumem quando sabem que terão o seu tipo de prazer sexual preferido e, melhor ainda, o que lhes dá menos trabalho. Recosta-se então, atirando a cabeça para trás. E insinua-se, relaxando os músculos de todo o corpo, exceptuando aquele único músculo que não consegue relaxar. Ele pretende tirar o máximo prazer disto. Daqueles lábios que se adivinham quentes e húmidos.
Um gemido de antecipação pode ouvir-se. Ele agora geme e suspira pelo prazer que terá.
Ela finalmente chega ao fim do seu caminho de beijos suculentos. Toma um momento, uma pausa, e espera que ele abra os olhos para tentar perceber o que se aproxima.
"É agora."
Ela levanta-se, pega nas suas roupas e sai do quarto ainda despida, sem proferir uma única palavra.
Abandonou-o no pico da sua paixão sem uma única explicação, assim com ele o fez um ano atrás.
Mais do que por ele, ela sempre se sentiu atraída pelo prazer de trazer justiça poética à vida, pelo menos à sua vida.
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2 comments:
justiça poética.. mt bom ;p
Gostei muito da tua ficção com rasgos de realidade. Escreves bem, invocando em cada palavra sentimentos fortes. Aplausos para ti, mulher escritora, justiceira poética. Até um homem consegue perceber a tua heroína.
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