Há coisas, sinceramente, que nunca pensei vir a testemunhar no mundo dos adultos. O secundário já foi há imenso tempo, e parece que já me tinha esquecido das atrocidades de que somos capazes em prol do nosso próprio ego. Ao crescermos devíamos tornar-nos pessoas mais confiantes e seguras de si, não? Agora que temos uma melhor ideia do que somos, de quem não queremos ser, de onde viemos e principalmente para onde vamos, não deveríamos ter a nossa identidade já definida ao ponto de sermos seguros e confiantes daquilo que fizemos de nós próprios? Não deveríamos reclamar a nossa identidade justificando-a simplesmente com ela própria? A nossa identidade deveria ser a causa de si própria. Porque é isso que ela é. E apesar de o conceito identidade ser uma coisa complexa, é só isso que ela pode ser, nada mais.
Porquê que, ainda hoje em dia, as pessoas têm uma necessidade de reclamar a sua superioridade não por ela em si, mas sim sublinhando a inferioridade dos outros? Que imagem distorcida é esta que nos faz crer que quando o outro é menos, então nós seremos mais? Pensei que os adultos, ou os jovens adultos – especialmente os que são obrigados a fazerem essa transição de amadurecimento (porque sim, porque faz sentido, mas especialmente porque a vida profissional não está longe) –, tivessem deixado as ditas mesquinhices de parte à muito. Com pesar, admito ter-me equivocado. Estava ingénua (sim, estava, não é gaffe gramatical. Estava porque não estou, estava porque não sou) e quis acreditar, digamos, na cristandade das pessoas. Seria de esperar que os traços gerais (bastante gerais!) do cristianismo fossem as bases onde assentam a nossa sociedade (já que ela é constituída por uma maioria de cristãos declarados). Seria de esperar que essas mesmas bases gerais fizessem parte do senso comum, da educação geral da população. Chego mesmo a acreditar que esses valores não são sociais, mais sim genéticos, transmitidos em nós pela corrente sanguínea. Até um vagabundo percebe esses conceitos de igualdade, justiça, compaixão, fraternidade. Todos nós os entendemos, e custa-me perceber como é que as pessoas conseguem desejar algo que nem elas cumprem. Como podes tu, desprezar o que desejas? Como podes não cumprir com o que rezas? Aquela coisa de amar o próximo, de perdoar, de não tentar colmatar uma injustiça cometendo outra, de saber que violência só gera violência, etc. Coisas triviais, frívolas até, já cansadas nos reportórios de alguns cristãos tolos. Eles são tolos sim, tolos que ambicionam um mundo melhor. Um bocado como os anarquistas. Que ironia, doutrinas quase dogmáticas à partida antagónicas, terem tanto em comum. Pessoalmente não sou cristã, e a fé não é algo que me acompanha. Mas gostaria. Gostaria de ter um alento para viver, para não andar perdida a questiona-me que é feito da boa vontade das pessoas, e a produzir textos que mais parecem o sermão Domingo do padre da paróquia mais próxima.
O que sinceramente me desilude, e abandonando o tema da religião, para além da minha ingenuidade e fé nas pessoas (afinal tenho fé, sim, acredito que toda a gente, à partida, não me magoará), é o ponto até onde certas pessoas nos conseguem destruir (com poucas e aparentemente inofensivas palavras) para conseguirem (re)construir-se. E mais do que isso, é a inteligência e a energia que empenham em tão desprezível acto, com o objectivo de o fazerem de forma camuflada, tão matreira que magoa pelo humildade que aparenta ter. Ouçam e pensem. Eu e tu somos duas dimensões completamente diferentes. O facto de eu ser bom, não invalida o facto de tu também seres bom. Para quê essa competitividade reprimida com o próximo, se o troféu não é único? Se eu for bem sucedido, sendo eu uma dimensão diferente de ti, tu não és necessariamente mal sucedido porque não tens necessidade nenhuma de te comparares a mim. Portanto, – e desculpem se subestimo a vossa inteligência, meus poucos leitores, é que repetir-me assim nem sequer me agrada, é só uma figura de estilo para ver se imprimo de forma clara no espírito de duas ou três pessoas o que tento explicar – se eu for mais, tu também podes ser mais (e não precisas de, em comparação, ser menos); e o facto de eu ser menos, não te torna mais. Então, se isto é-te bastante claro e simples, porquê que tens essa necessidade constante de afirmar-te superior (re)lembrando-me da minha inferioridade? E não deveríamos nós orgulhar-nos do sucesso das pessoas que nos acompanham porque, ao menos, é a prova de que soubemos escolher as nossas amizades? Porquê que, ao contrário do que se pensa, o sucesso dos outros não pode ser o nosso sucesso também? Se existe uma descabida prorrogação nas dimensões do “eu” e do “tu” que é, a meu ver, uma correlação passivo-agressivo-negativa (adoro inventar palavras), não vejo razão porque não essa contaminação de dimensões não pode, simplesmente, ser positiva. É que na infância e na adolescência, somos mesquinhos sim, e o somos quase com um orgulho que não é natural, a cada oportunidade. Mas somos desculpados por estarmos ainda sob a pressão de termos de construir a nossa própria identidade – o que é uma coisa que nos deixa um tanto à toa, pela sua existência quase completamente auto-didacta. E porra! Ao menos somos mais sinceros, porque dizemos aquelas coisas como: “olha, olha, eu tenho isto que tu não tens!”, e deitamos a língua de fora porque somos simplesmente idiotas. Mas porquê que o facto de o outro nos invejar nos dá tamanha sensação de imponência? Bem, vou desistir de fazer interrogações retóricas às quais não encontrarei respostas, vou simplesmente ser um de nós. Porque já o sou.
11 June 2007
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