Estou farta desta vida. Da escola. Dos centros comerciais. Das discotecas. Das mesmas pessoas. Da Margem Sul. De tudo. Da minha casa. Desta vida rotineira. De ter 19 anos e sentir-me impotente em relação a tudo e, no entanto, de já ter uma data de responsabilidades. De ter de ouvir as pessoas por simpatia, obrigação. De construir e destruir relações só porque não me quero sentir sozinha.
Quando era mais nova não era assim que me imaginava aos 19. Imaginava-me cosmopolita, a viver na grande cidade, sozinha. Que sonhos! Imaginava-me vivida, viajada. Tenho 19 anos e sinto que não fiz nada. É sempre a mesma conversa, até disto estou farta.
Ainda me lembro de quando sabia com todas as certezas do mundo que os meus pais iriam voltar a casar-se. Divorciaram-se quando eu tinha 10 anos, e até aos 16 acreditei veemente que era uma fase passageira. Que o meu pai ia mudar, e ia voltar a ser romântico como eu imaginava que ele fosse quando os meus pais namoravam. Devia ser, sei lá. Imaginava-o a pedir desculpas à minha mãe com um emorme ramo de flores, e abraçar-me como nunca o fez, dizendo-me que tinha saudades de nós como família. E assim viveríamos felizes para sempre nesta casinha humilde, cheia de amor e carinho, com respeito e jantares com toda a gente à mesa. E claro, sem agressões domésticas. Para ver se, pelo menos, eu não cresceria para ser uma adulta marada dos carretos (Freud tinha mesmo razão... ). Bom, na verdade eu queria um homem totalmente novo, mas com o aspecto do meu pai. Mas nada. Isso nunca aconteceu, nem tanto a minha mãe voltou a casar-se, para eu poder ter um modelo de amor e compreensão em casa, e compreender melhor o que é afinal ter uma relação saudável. Tudo o que eu sei sobre relações são pontapés e socos, palavrões e ódio.
E agora quero marcar a diferença na minha vida e não sei como. Olho para o futuro em jeito de premonição e os meus sonhos desfazem-se na realidade económica do país. Já não há boas perspectivas de futuro para ninguém, nem para os nacionais com cunha. Faço o quê, vou à procura do sonho emigrante? O sonho emigrante é mito. Como é irónico, saber que vou ter de contentar-me com esta vidinha porque sou preguiçosa demais, porque o trabalho que pretendo ter não suporta todas as minhas ambições. Quero muito esforçando-me pouco? Quem não quer?
Entretando penso que vou colmatar isso com um carro, ou saindo de casa da minha mãe, ou um bom estágio. Afinal funciono exactamente como todos os outros, sou mesmo uma simplória. Qual espírito empreendedor e cosmopolita! Vou substituindo uns problemas por outros menores, projectos que sei que posso realizar, para me anestesiar do verdadeiro problema. Para esquecer que esta vidinha não promete muito mais. Penso que quando tiver um carro realizo todos os meus projectos, faço tudo aquilo que sempre quis fazer. Mas eu sei que não é assim, o que é preciso é força de vontade. E isso não sei se tenho. Só sei que sou a primeira a apontar o dedo àqueles que se contentaram trabalhando no supermercado local: “Verde-código-verde. Obrigada. Boa tarde”, dizem eles, três milhões de vezes por dia, e depois lá vão eles para as suas casinhas, no autocarro apinhado de gente suada, com o cheiro do frango assado que levam para o jantar, vêm as suas novelas da noite, e as notícias, e amanhã estão de volta, ao verde-código-verde.
25 January 2007
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